Sabe aquela hora que
você para e começa a pensar no que fez antes desse momento? Como foi sua vida,
o que fez de bom ou até mesmo de mau no mundo? Pois é, estou nesse momento
agora, mas não me lembro de ter feito mau a ninguém. Ao contrário, me lembro de
fazer as pessoas rirem, com os meus truques de mágica, lembro de provocar
nas pessoas alegria, felicidade e não dor e sofrimento.
Hoje, ao acordar, olhei-me no espelho, assustado, me perguntei: como pude?
Como deixei o tempo me afetar tão rapidamente? Agora, assustado, sentado
nos pés da cama, fico refletindo e não consigo acreditar na realidade. De
repente, começo a querer esquecer o meu presente. Sou um velho que
trabalha em um banco e ouve muitas reclamações de pessoas infelizes. Chego
a estar de cabelos grisalhos, e olha que nem tenho uma família. É isso?
Será? A minha felicidade voltaria se eu construísse uma família?
Nossa, estou enlouquecendo... uma família, de onde tirei isso?
Desde criança fui infeliz com minha família, não tive afeto e muito menos
amor, não quero ser abandonado novamente.
Não fui trabalhar, fiquei atirado em cima da cama, refletindo
o que eu faria para ser feliz, mudar minha vida, parar de ser
aquela pessoa ingênua que só se importa com sua própria vida sem se
preocupar com o próximo. Estava angustiado, mas subitamente me encontro em
êxtase, ao lembrar de como eu era feliz realizando truques de
mágica, impressionando e sendo impressionado pelos aplausos daquelas
doces pessoas.
Assim, pensei: vou largar tudo, tudo mesmo e vou reconstruir
minha carreira de mágico, e já que o circo está na cidade, vou ate lá ver
se consigo trabalhar com eles. Fui no mesmo dia no meu trabalho, pedi
demissão, e como um retardado, fui correndo, dando pulos de alegria, até o
dito circo. Cheguei lá, falei com o dono e ele pediu para que eu subisse
no palco e fizesse uma pequena demonstração de minhas habilidades. Subi no
palco com um sorriso nas orelhas, mas no instante seguinte me encontrei destruindo
aquele belo sorriso, pensando, e agora? O que vou fazer? Já que subi aqui...
Naquele momento cobri com uma das mãos o rosto e como impulso coloquei a
outra no bolso, quando de repente sinto uma leve, mas dolorosa, mordida na
ponta de um dos meus dedos. Desesperado tiro a mão do bolso rapidamente e
grudada ao meu dedo havia uma pequena criatura que ia crescendo
graduadamente. Fecho os olhos e paro de sentir aquela pequena dor, mas
quando abro-os novamente, vejo o dono do circo com uma expressão de
espanto e ao olhar para o lado, vejo aquela linda criatura, com uma linda
e amarelada juba, quem imaginaria, um leão maior do que eu, saindo do meu
bolso. Contudo, a criatura me observou e deitou-se aos meus pés. O
proprietário do estabelecimento mesmo quase desmaiando, pálido, deu um
belo sorriso e começou a me aplaudir.
Diga-se de passagem, foi o primeiro momento, durante anos, que
me senti realmente vivo, realizado. Voltei para casa e arrumei minhas
malas, fui embora com o circo, deixando tudo o que me fazia infeliz para
trás, até mesmo meus bens materiais.
Nas minhas apresentações sempre improvisei, e acredite se
quiser, assim como os telespectadores ficavam surpreendidos eu também
ficava, pois eu também não sabia o que estava por vir a cada apresentação,
pois a cada uma delas eu me sentia mais vivo, mais feliz. E fui seguindo a
minha alegre vida de mágico, porém com um pouco de arrependimento ao
pensar que um dia eu pude me nomear um ex-mágico.
Ah, e se você está curioso para saber o que acontecia com
as lindas criaturas que faziam parte das minhas apresentações, não se
preocupe pois do mesmo jeito que elas apareciam, desapareciam num passe
de mágica, misteriosamente. Sempre me perguntavam como tudo
aquilo acontecia, e já que nem eu sabia, eu falava:
–– Mágica é mágica,
sem explicação mas com compreensão!
Inspirado
no conto “O ex-mágico da Taberna Minhota de Murilo Rubião”